Por Letícia Carvalho e Márcio Falcão, g1 e TV Globo — Brasília
Augusto Aras pediu que STF suspenda imediatamente trecho do decreto publicado na semana passada. Texto inclui perdão para crimes cometidos há mais de 30 anos; em outubro de 1992, 111 detentos foram mortos na invasão da PM para conter rebelião.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação direta de inconstitucionalidade contra um trecho do decreto de indulto de Natal do presidente Jair Bolsonaro (PL), que perdoa as penas e extingue as condenações dos policiais militares culpados na Justiça pelo caso conhecido como Massacre do Carandiru
Aras pediu que o Supremo suspenda imediatamente essa parte do decreto, para evitar a anulação das dezenas de condenações do caso (veja mais abaixo).
"O indulto natalino conferido pelo presidente da República aos agentes estatais envolvidos no caso do Massacre do Carandiru representa reiteração do estado brasileiro no descumprimento da obrigação assumida internacionalmente de processar e punir, de forma séria e eficaz, os responsáveis pelos crimes de lesa-humanidade cometidos na casa de detenção em 2 de outubro de 1992", apontou o PGR.
O indulto natalino representa o perdão de pena e costuma ser concedido todos os anos no período próximo ao Natal. Se beneficiado com o indulto, o preso tem a pena extinta.
Para o PGR, o decreto de Bolsonaro violou a Constituição, porque ela não permite indultos para crimes hediondos.
O governo, no entanto, defendeu que o indulto é legítimo, porque os crimes foram cometidos quando ainda não eram classificados como hediondos.
Aras rebateu a justificativa e defendeu que a avaliação deve ser feita não no momento da prática do crime, mas sim na data da edição do decreto.
Aras também afirmou que a Constituição, ao determinar a observância dos tratados internacionais de direitos humanos, proíbe o benefício para crimes considerados de "lesa-humanidade no plano internacional", como foi o Massacre do Carandiru.
"Indultar graves violações de direitos humanos consubstanciadas em crimes de lesa-humanidade significa ignorar direitos inerentes ao ser humano, como os direitos à vida e à integridade física, indo na contramão do processo evolutivo dos direitos fundamentais plasmados na ordem jurídica interna e internacional, com violação direta do dever constitucional de observância dos tratados internacionais de direitos humanos."
Detentos expõem faixa em janela de pavilhão contra o massacre ocorrido na Casa de Detenção do Carandiru, três dias após a ação policial após a rebelião que marcou a história do país — Foto: Epitácio Pessoa/AE
Massacre do Carandiru
Em 2 de outubro de 1992, 111 presos foram mortos durante invasão da Polícia Militar (PM) para conter rebelião no Pavilhão 9 da Casa de Detenção em São Paulo.
Segundo o decreto presidencial do indulto deste ano, estarão perdoados agentes de forças de seguranças que foram acusados por crimes cometidos há mais de 30 anos, mesmo que eles não tenham sido condenados em definitivo na última instância da Justiça.
Os PMs condenados pelo Massacre do Carandiru se encaixam nesse perfil. O caso completou três décadas em 2022.
5 júris condenaram PMs
Entre 2013 e 2014, a Justiça paulista fez cinco júris populares e condenou, ao todo, 74 policiais militares pelos assassinatos de 77 detentos.
Dos agentes condenados, cinco morreram e atualmente 69 deles continuam vivos. Mais de 30 anos depois, ninguém foi preso.
Os PMs foram punidos com penas que variam de 48 anos a 624 anos de prisão. Pela lei brasileira, ninguém pode ficar preso mais de 40 anos por um mesmo crime. Apesar disso, todos os agentes condenados respondem pelos crimes de homicídio em liberdade.
Indulto de Natal
O presidente Jair Bolsonaro (PL) assinou um decreto que concede indulto de Natal a presos. A medida foi publicada na edição de sexta-feira (23) do "Diário Oficial da União".
Entre outros pontos, o indulto assinado por Bolsonaro concede perdão de pena a:
agentes de segurança pública condenados por crime culposo (sem intenção de cometer o delito), desde que tenham cumprido ao menos um sexto da pena;
policiais condenados, ainda que provisoriamente, por crime praticado há mais de 30 anos e que não era considerado hediondo à época (é a primeira vez que o indulto é concedido desta forma); militares das Forças Armadas condenados em casos de excesso culposo durante atuação em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).