O que mais surpreende, ou não surpreende, é a capacidade dessa gente desqualificada e insana de produzir provas contra ela mesma. Encarregada das investigações, a Polícia Federal agradece. Poupa seu tempo, e o da Justiça, e economiza dinheiro público.
Era uma vez um boato de que Bolsonaro, perplexo com sua derrota em outubro, recusava-se a comer, a tomar banho e a receber visitas no Palácio da Alvorada. E que deixara de dar expediente no Palácio do Planalto. Parar de trabalhar era fato, não boato.
Então, no dia 19 de novembro, no cercadinho do Alvorada, o general Braga Neto, vice na chapa derrotada de Bolsonaro, tentou acalmar os devotos que reclamavam, ali, do resultado das eleições:
“Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”.
A uma senhora que lhe disse: “A gente está na chuva, no sufoco”, ele respondeu:
“Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?”
O que o general não poderia falar? O que queria dizer ao recomendar que era preciso “dar um tempo”? No dia 7 de dezembro, o deputado federal Daniel Silveira (PT-RJ) avisou ao senador Marcos do Val (Podemos-ES) que Bolsonaro queria vê-lo.
No mesmo dia, segundo conta o senador, ele e Bolsonaro conversaram por telefone e o encontro foi marcado para o dia 9. Nesse mesmo dia, e pela primeira vez desde que fora derrotado, Bolsonaro falou a apoiadores no cercadinho do Alvorada:
“É pelo país de vocês. […] Vamos vencer, se manifestando de acordo com as nossas leis. […] Acredito em vocês, vamos acreditar em nosso país. Se Deus quiser tudo dará certo no momento oportuno.”
Horas depois, por 40 minutos, Bolsonaro reuniu-se com Do Val e Silveira. Segundo Do Val, Silveira expôs o plano de grampear o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, para captar alguma declaração que o comprometesse.
Do Val se encarregaria da tarefa, afinal ele e Moraes se davam bem. Com a ajuda do setor de inteligência do governo, um gravador seria instalado no seu corpo para registrar a conversa que ele viesse a ter com o ministro. Do Val pediu tempo para pensar.
Bolsonaro, que o convidou para o encontro, ouviu tudo calado, mas ao fim comentou que esperaria a resposta de Do Val. Sem dar resposta, no dia 12 dezembro, Do Val pediu uma audiência a Moraes, que se dispôs a recebê-lo, como o faria no dia 14.
Foi na noite do dia 12, quando o tribunal diplomou Lula como presidente eleito, que bolsonaristas acampados à porta do QG do Exército tentaram invadir a sede da Polícia Federal onde havia um índio preso, e incendiaram ônibus no centro de Brasília.
No dia 14 de dezembro, Moraes recebeu Do Val no salão branco do prédio do Supremo Tribunal Federal. Ouviu o que ele contou sobre a reunião com Bolsonaro e Silveira, e propôs que Do Val desse um depoimento à Polícia Federal. Do Val não topou.
Na manhã de 24 de dezembro, um esquadrão da Polícia Militar do Distrito Federal desativou uma bomba amarrada em um caminhão estacionado a pouca distância do aeroporto de Brasília. Parte do aeroporto teria ido pelos ares se ela tivesse explodido.
A bomba fora montada por George Washington de Souza, um dos acampados à porta do QG do Exército. E amarrada ao caminhão por Alan Diego Rodrigues, outro acampado. Na tarde de 30 de dezembro, Bolsonaro embarcou para os Estados Unidos.
A posse de Lula no dia 1º de janeiro atraiu cerca de 300 mil pessoas e transcorreu em paz. Mas no dia 8, entre 5 a 6 mil acampados vandalizaram os prédios do Palácio do Planalto, do Congresso e do Supremo Tribunal Federal. Era o golpe.
Comentário do ministro Flávio Dino (PSB-MA), da Justiça, depois do que revelou seu colega senador Do Val:
“Tijolo a tijolo, se evidencia que construíram um edifício golpista e terrorista. Ainda que incompetentes e desvairados, havia “profissionais” dedicados à obra. Não haverá impunidade para bandidos que tentaram assassinar a Constituição”.
Há mais um tijolo a se encaixar na cronologia bastante incompleta do mais grave risco corrido pela democracia desde o fim da ditadura. No dia 12 de janeiro, a Polícia Federal apreendeu documentos na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres.
Entre os documentos, a minuta de um decreto para instaurar estado de defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e mudar o resultado das eleições de 2022. Torres está preso. Diz não lembrar quem lhe entregou a minuta. Diz ter perdido seu celular.
O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) reconheceu que seu pai recepcionou no dia 9 de dezembro o deputado Daniel Silveira e o senador Marcos Do Val. Mas, lembrou que Bolsonaro está fora do país desde o dia 30, e que assim nada teve a ver com o golpe.
Interlocutores de Bolsonaro, autorizados por ele, disseram à CNN Brasil que o ex-presidente ouviu calado o que Silveira sugeriu a Do Val porque teve medo de estar sendo gravado. Significa: ele estava na cena do crime. Tinha obrigação de denunciá-lo, mas não o fez.
Fonte: Metrópoles