Aras tentou barrar inquérito após pedido de empresário, indicam mensagens

UOL - A cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) agiu para proteger de uma investigação o dono da construtora Tecnisa, Meyer Nigri, após pedido do próprio empresário, enviado por mensagem de WhatsApp ao chefe do órgão, Augusto Aras.

Diálogos interceptados pela Polícia Federal mostram que Nigri, um dos empresários mais próximos do então presidente Jair Bolsonaro, acionou Aras quando tomou conhecimento de que poderia ser alvo de uma investigação pela disseminação de mensagens de teor golpista. O pedido de investigação partiu do senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), com base em reportagem do site "Metrópoles".

Aras lhe disse que iria localizar o processo e, antes de qualquer manifestação nos autos, antecipou seu juízo ao empresário: "Se trata de mais um abuso do fulano".

A defesa de Meyer Nigri negou que ele tenha solicitado interferência no pedido de inquérito e disse que o empresário apenas "perguntou a opinião" de Aras sobre a investigação que iria tramitar na PGR (leia abaixo).

Três semanas depois desse diálogo, a PGR pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) o trancamento da investigação aberta contra Nigri e outros empresários, além da anulação de uma operação de busca e apreensão já deflagrada pela Polícia Federal por ordem do ministro Alexandre de Moraes.
O UOL teve acesso, com exclusividade, aos diálogos do telefone celular do empresário Meyer Nigri, apreendido pela PF em agosto do ano passado. Reportagem publicada na quarta-feira (23) mostrou que o ex-presidente Jair Bolsonaro disseminou ao menos 18 mensagens com fake news ao empresário, incluindo ameaças de "sangue" e "guerra civil" no caso de derrota nas eleições.

A PF também identificou que Meyer Nigri, fundador da construtora Tecnisa, montou uma rede de contatos dentro da Procuradoria-Geral da República (PGR) com o objetivo de tentar a "obtenção de proximidade e de facilidades" e usou a relação que tinha com o procurador-geral da República Augusto Aras para lhe apresentar demandas privadas.
Ao analisar o celular de Meyer Nigri, apreendido em agosto do ano passado, a PF encontrou trocas de mensagens entre ele e Aras na defesa desses interesses. Também identificou diálogos do empresário com um assessor da PGR e um encontro com a vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo.

A análise das mensagens constantes no aplicativo do WhatsApp demonstraram que o empresário Meyer Nigri se aproveita da proximidade que possui com o sr. Augusto Aras, atual procurador-geral da República, para apresentar demandas privadas e/ou de interesse de grupos específicos (jurídico, políticos e/ou ideológicos)Relatório da Polícia Federal
A conversa entre Aras e Nigri sobre a investigação:

Em um dos diálogos, Nigri acionou Aras logo quando tomou conhecimento que poderia ser alvo de uma investigação da PGR. A movimentação ocorreu após o senador Randolfe Rodrigues ter apresentado ao STF um pedido de investigação contra o empresário por causa da disseminação de mensagens de teor golpista em um grupo de WhatsApp de empresários. O caso havia sido revelado em uma reportagem do site "Metrópoles".

A estratégia de Aras, entretanto, não funcionou porque o ministro Alexandre de Moraes autorizou a operação de busca e apreensão contra empresários sem enviar o processo à PGR para uma manifestação prévia. Em atritos frequentes com Aras, Moraes passou a adotar essa estratégia em diversos casos envolvendo bolsonaristas com o objetivo de evitar que a PGR criasse obstáculos a investigações sensíveis. A decisão do ministro foi proferida no dia 19 de agosto de 2022, um dia após o diálogo entre Aras e Meyer Nigri.

Meyer Nigri (18/08/2022 - 07:14:20): Bom dia
Meyer Nigri (18/08/2022 - 07:14:33): Pode falar?
Meyer Nigri (18/08/2022 - 07:20:53): "Exclusivo: Empresários bolsonaristas defendem golpe de Estado caso Lula seja eleito; veja zaps" (encaminha link de reportagem)
Meyer Nigri (18/08/2022 - 07:20:53): "Randolfe pede ao STF que PGR avalie prisão de empresários que defenderam golpe" (encaminha link de reportagem)
Meyer Nigri (18/08/2022 - 08:11:23): Que achou?
Augusto Aras (18/08/2022 - 08:12:14): Vou localizar o expediente, pois se trata de mais um abuso do fulano
Meyer Nigri (18/08/2022 - 08:12:23): Concordo

A crítica feita por Aras ao senador, sem cita-lo, deve-se a um histórico de desgastes entre os dois. Aras costumava reclamar, nos bastidores da PGR, sobre o grande número de pedidos de investigação apresentados por Randolfe.
PGR foi contra apuração

Fundador da construtora Tecnisa em 1977 (a empresa é negociada em Bolsa desde 2007), Nigri se tornou um dos empresários mais próximos de Jair Bolsonaro. Ele apoiou a candidatura presidencial do então deputado em 2018, quando pouca gente levava a sério a pretensão, e construiu pontes para a adesão de outros empresários ao candidato.

Depois da eleição, comunicava-se por WhatsApp com o presidente e era recebido no Planalto e no Alvorada. Em 2019, Nigri foi um dos apoiadores da indicação de Augusto Aras para o comando da PGR. Os diálogos de WhatsApp demonstram que eles mantinham contato frequente.

Após a PF ter deflagrado a operação contra Nigri sem conhecimento prévio da PGR, o órgão tentou enterrar a operação e anular suas provas. A vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, apresentou um recurso ao STF no dia 9 de setembro pedindo a anulação das buscas contra os empresários e o trancamento do caso. Moraes, entretanto, rejeitou o pedido.

Em 20 de setembro, Lindôra se manifestou contra o compartilhamento das provas do caso ao STF, novamente tentando barrar a investigação.
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