A Assembleia Legislativa do RN recebeu, na tarde desta terça-feira (19), a comissão dos aprovados no último concurso da Polícia Civil do RN (PC/RN), além de autoridades e entidades envolvidas com a pauta, para discutir a convocação da terceira turma do curso de formação relacionado ao certame. Proposta pelo deputado Adjuto Dias (MDB), a audiência pública trouxe à tona a realidade e os desafios enfrentados pela PC e discutiu soluções para o problema de baixo efetivo do órgão.
“Esta audiência parte de uma preocupação do nosso mandato. Eu, que sou delegado de carreira da Polícia Civil da Paraíba e atuei por 10 anos na atividade-fim de Polícia Judiciária, sei das dificuldades enfrentadas pela instituição, em termos de efetivo. Os casos reiterados de doenças psiquiátricas, por exemplo, são muito preocupantes. Essas enfermidades surgem do estresse elevado, da alta demanda de trabalho, das noites de sono perdidas etc. Então, investir no efetivo da PC é, também, investir no bem-estar e na saúde mental de seus integrantes”, iniciou o deputado.
Falando especificamente sobre o concurso, o parlamentar lembrou que o edital foi lançado em 2020, com prazo de validade até 11 de outubro deste ano.
“E o que a gente vê geralmente é um prazo de 10 anos entre um concurso e outro, aqui no Estado. Isso é muito tempo. Terminando o chamamento desse, não há uma perspectiva de se fazer outro. O governo anunciou o curso de formação para novembro deste ano, convocando 400 dos aprovados. São 300 agentes, 50 escrivães e 50 delegados. Mas dados do início deste ano indicam uma quantidade bem maior de cargos vagos: 120 de delegados; 279 cargos de escrivães; e 2.673 cargos vagos de agentes. É uma discrepância enorme. Então, diante desse quadro, mesmo o governo tendo anunciado a convocação, a situação da instituição ainda é muito desafiadora”, finalizou Adjuto Dias.
A representante da Comissão dos Concursados, Lívia Oliveira, fez o seu pronunciamento em defesa da convocação de todos os aprovados no concurso, até o Cadastro de Reserva.
“Estamos aqui com um único propósito: colaborar com soluções concretas para o grave problema do déficit de efetivo que atinge a nossa Polícia Civil. Sabemos que é um tema urgente e sensível. O próprio Ministério Público já reconheceu isso, ao ingressar com uma Ação Civil Pública determinando que o Estado promova o preenchimento desse efetivo em até 50%. Mas, atualmente, estamos com pouco mais de 35% da quantidade prevista em lei, um número que compromete não só a eficiência das investigações, mas também a segurança da população e do trabalho dos policiais em atividade”, explicou a candidata.
Segundo Lívia Oliveira, os aprovados sabem que houve avanços e reconhecem o recente anúncio da convocação de 400 novos policiais.
“Essa iniciativa é louvável e certamente terá um impacto positivo. Mas ela não resolve integralmente o problema. Temos que levar em consideração também as futuras aposentadorias, as exonerações de classificados que migram para seus estados de origem e os servidores que são afastados por inúmeros motivos”, argumentou.
De acordo com a representante dos aprovados, hoje existem 834 classificados, aptos a fazerem o curso de formação.
“Desses, nós temos um histórico de evasão de 34% dos últimos convocados. Considerando esse índice de evasão, nós teríamos um quantitativo de 550 classificados aptos a fazerem o curso. Desses 550, estão os 400 que serão convocados agora. Com eles, o efetivo subiria para 42%. Só que o Plano Plurianual (PPA) prevê uma porcentagem de 45% até o ano que vem. Então, mesmo com essa convocação, o quantitativo ainda ficaria abaixo do previsto no PPA. Portanto, esse chamamento certamente vai gerar um número significativo de agentes, mas deixa de fora cerca de 100 escrivães classificados em todas as etapas, mesmo com a PC enfrentando uma carência histórica nesse cargo que é essencial para o funcionamento das delegacias”, criticou.
Finalizando sua fala, Lívia Oliveira afirmou que há uma solução bem concreta diante de todos: “existe um concurso válido, com aprovados em todas as etapas - exames médicos, exame prático, psicoteste e investigação social – faltando apenas a convocação de todos para o curso de formação”.
“E nós estamos prontos para servir. Somos pessoas vocacionadas, investimos tempo e recursos para servir ao Estado. Não há necessidade de novo certame para complementar essas vagas. Sabemos que esses processos são demorados e que a realização de outro concurso será algo muito oneroso para os cofres públicos. Justamente por isso, a convocação imediata desses classificados disponíveis seria uma forma rápida, eficaz e econômica de diminuir o atual déficit da instituição”, frisou, acrescentando que os aprovados pedem “a ampliação da convocação, com a inclusão dos escrivães que permanecem no Cadastro de Reserva.
“Pedimos que o governo leve em consideração não só os percentuais legais, mas também a realidade das delegacias, a sobrecarga dos atuais servidores e o clamor da sociedade por segurança e justiça”, concluiu.
De acordo com Nilton César, presidente do SINPOL/RN (Sindicato dos Policiais Civis do RN), é uma visão muito limitada achar que os problemas discutidos na audiência são apenas da Polícia Civil.
“Na verdade, nós estamos discutindo problemas sociais, porque a PC é a responsável por colocar todos os procedimentos criminais nas esferas da Justiça. Seja um flagrante da PM e/ou da Guarda Municipal, seja uma investigação oriunda da própria PC. Tudo isso vai para uma Delegacia de Polícia. E muitas vezes o policial militar chega na delegacia, mas não tem ninguém para receptar a sua ocorrência. Então, ele tem que se deslocar para outro município ou até mesmo para a capital, o que acaba deixando a sua cidade desguarnecida, e outro crime vai acontecer lá, pois a polícia ostensiva está em falta. Isso, portanto, é um problema social”, detalhou.
Ainda segundo Nilton César, “ser policial civil é, muitas vezes, ter que mentir para uma mãe que pergunta sobre as investigações do assassinato do seu filho”.
“Infelizmente, quando ela pergunta como anda o processo, a gente precisa mentir, dizendo que estamos investigando, que já encontramos um suspeito etc. Mas quando vamos olhar no sistema, só existe a capa e o Boletim de Ocorrência. E isso acontece porque não queremos trabalhar? Não. É que são muitas demandas para poucos servidores”, lamentou.
Outro problema citado pelo presidente da SINPOL é o fato de policiais precisarem fechar delegacias no turno da tarde, pelo excesso de trabalho e falta de pessoal.
“Muitas vezes nós precisamos fechar a delegacia à tarde, porque existem apenas três policiais. Aí de manhã eles atendem, fazendo B.O. e à tarde eles precisam fechar o prédio, para fazer diligências, entregar intimações, realizar investigações, dentre outras atividades. E aí o cidadão chega lá e encontra a delegacia fechada. Isso ocorre por quê? Porque não tem policial. Essa é a realidade”, finalizou.
Dando continuidade aos pronunciamentos, o presidente da Associação dos Escrivães de Polícia Civil do RN, Alex Rocha, iniciou chamando a atenção para o processo investigativo como um todo.
“O processo de investigação se faz a partir da rua, do serviço de Inteligência, e culmina nos cartórios de polícia. Lá, ele é concluído e remetido à Justiça, finalizando essa relação entre o Executivo e o Judiciário, estabelecendo efetivamente o vínculo da Segurança Pública com a sociedade”, detalhou.
Ele ressaltou também a importância de se combater a quantidade crescente de servidores adoecidos.
“Nós temos, hoje, um quadro assustador. Eu não trago números específicos, mas o que chega na nossa associação são escrivães cada vez mais adoecidos, com enfermidades crônicas, como depressão profunda, ansiedade e burnout. E a gente percebe, caso a caso, que isso acontece principalmente por causa do excesso de trabalho e do baixo efetivo”, revelou o policial.
Por fim, Alex Rocha enfatizou a importância de um cartório fortalecido.
“Sem isso a gente não consegue concluir todo o processo da investigação. E toda essa problemática vem causando um déficit humano, que culmina num prejuízo para a instituição. E, como bem disseram, a gente não está discutindo uma questão apenas de números, mas uma questão social. Nós, enquanto servidores, estamos aqui para assistir a sociedade, mas o Estado precisa nos dar condições de proporcionar isso, pois se não estivermos preparados, iremos prestar um serviço precário. Daí a importância de se valorizar o capital humano da Polícia Civil”, concluiu o presidente da associação.
Presidente da Associação dos Delegados de Polícia Civil do Rio Grande do Norte (ADEPOL/RN), Fábio Rogério Silva reforçou a relevância do fortalecimento da PC como instrumento essencial para a garantia da Segurança Pública e da Justiça Social.
“O aumento do efetivo da instituição é uma medida urgente e necessária, diante da crescente demanda por investigações e do acúmulo de atribuições que recaem sobre os profissionais em atividade. Sem recursos humanos suficientes, a capacidade de apurar crimes, combater organizações criminosas e oferecer respostas rápidas à sociedade fica comprometida. Nesse sentido, a ADEPOL ressalta que investir na ampliação do Quadro de Pessoal da PC é investir diretamente na proteção do cidadão, na eficiência das investigações e no fortalecimento do Estado Democrático de Direito”, afirmou.
De acordo com o delegado, a Lei Complementar nº 417/2010 prevê 5.150 policiais, sendo 4 mil agentes, 800 escrivães e 350 delegados.
“Mas hoje nós temos um déficit de 65,44% com o efetivo atual de 1.780 policiais, que representam 34,56%. Em termos de agentes, nós temos 1.283 em atividade, com uma vacância de 67,93%; a respeito dos escrivães, nós temos 274, com 65,75% dos cargos vagos; e temos 223 delegados em atividade, com 36,29% de cargos vagos. Com isso, somos o segundo estado com menor quantitativo policial do Brasil, perdendo apenas para a Paraíba”, destacou.
Ao concluir seu discurso, o delegado Fábio Silva disse esperar “que o governo compreenda que a necessidade da Polícia Civil tem uma prioridade estratégica para o presente, que é a formação da 3ª turma de convocados; e outra para o futuro, que é a chamada do restante dos aprovados no concurso, até outubro de 2026. Isso fortalecerá a Segurança Pública do nosso Estado e contribuirá para o bem-estar da nossa sociedade”, finalizou o presidente da ADEPOL.
Em seguida, a delegada Dulcinéia Costa, diretora da Academia de Polícia Civil do RN, afirmou que “é inegável a questão do déficit” e que “é um problema que se arrasta há anos”.
“Infelizmente o baixo efetivo policial parece ser um problema generalizado, porque nós também vemos isso acontecendo em estados vizinhos. A respeito da questão da saúde mental, nós já estamos fazendo um diagnóstico na instituição há um tempo, para posteriormente pautar políticas públicas nesse sentido”, disse.
Ainda conforme a delegada, a Polícia Civil tem realizado seus esforços em prol das convocações.
“A gente já vinha pleiteando essas convocações, tudo com base nas vacâncias. Enquanto delegada de PC, é claro que a gente quer mais servidores. Porém, enquanto gestora, a gente sabe das dificuldades financeiras do Estado. Então, o que nos foi passado pela governadora é que seriam realmente as 400 vagas. Sobre a possível discrepância no cargo de agentes, que talvez não se preencham as 300 vagas, o que a gente pode afirmar é que faremos o possível para preenchê-las. Em termos de possível remanejamento, isso pode ser discutido”, garantiu.
Concluindo sua fala, a diretora da Academia de PC do RN reafirmou que existe, sim, um interesse da instituição pelo preenchimento das 400 vagas anunciadas.
“Eu só não posso falar sobre o que ultrapassa quantidade, porque aí já é uma decisão da governadora”, argumentou.
Na sequência, o Secretário de Segurança Pública e Defesa Social do RN, Coronel Araújo, garantiu que todo o planejamento estratégico e operacional da PC é feito pela direção da própria instituição.
“Nós, da Secretaria da Segurança Pública, somos apenas um agente facilitador, que leva o pleito das entidades diretamente ao Governo do Estado. Na verdade, é bom esclarecer que esses 400 convocados representam o dobro do que estava previsto na vacância e nas futuras aposentadorias”, ressaltou o secretário.
Segundo o Coronel Araújo, o que está previsto na lei são mais de 5 mil servidores, mas hoje o RN vive o ambiente da Lei de Responsabilidade Fiscal e seus limites.
“O Tribunal de Contas do Estado só nos permite a convocação de vacâncias, ou seja, cargos oriundos de exonerações, aposentadorias e óbitos. Então, nós só podemos completar essas vagas, não podemos aumentar o efetivo”, explicou.
O secretário disse ter ciência da deficiência do efetivo da Segurança Pública como um todo, mas argumentou que só é permitido fazer a “recompletagem” dos cargos já existentes e que ficam vagos.
“Precisamos de mais? Sim. Queremos chamar uma quarta turma? Sim. Mas não podemos fazer uma propaganda para enganar ninguém. Eu, por exemplo, vim de concurso. Então eu valorizo demais essa forma de ingresso no setor público. E, de quem conhece o RN, eu digo com certeza: a Polícia Civil do RN nunca trabalhou tanto como neste governo. Nunca apresentou tantas operações, prisões, apreensões de armas e drogas. Tudo isso é fruto dos concursos realizados e do efetivo novo incorporado. E nós temos fé que vamos chamar mais e incorporar mais, tanto na PC, quanto na PM, no Corpo de Bombeiros, na Polícia Penal e no Instituto de Perícia, porque Segurança Pública é um sistema, então todas as instituições precisam ser valorizadas, a fim de levar segurança para a população do RN”, concluiu.
Ao final da audiência, o deputado Adjuto Dias fez um apelo à governadora, para que convoque um número maior de candidatos para o curso de formação, em virtude da possibilidade de ocorrerem mais aposentadorias, além dos custos e da demora para se fazer um novo concurso, o que poderia prejudicar os possíveis servidores e a própria instituição.
Outro ponto levantado pelo parlamentar foi o dos classificados que não têm interesse em assumir seus cargos.
“Por fim, eu peço para os candidatos que não pretendem assumir seus cargos que entrem em contato com a comissão do concurso e formalizem a sua desistência, para que os próximos possam assumir essas vagas. Obrigado a todos pela presença e atenção”, finalizou.
